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domingo, 1 de dezembro de 2013

O Budista e os Animais


Foto: Globo Rural (Planeta Bicho)

"Ananda[1], se os seres vivos dos seis reinos da existência[2] deixarem de matar, eles não estarão mais sujeitos ao contínuo ciclo de nascimentos e mortes. Sua prática do samadhi[3] será livre de amarras, mas se a mente assassina não for extirpada, tais cadeias não serão eliminadas.

Você deve adquirir mais sabedoria, mas se você falhar em deixar de matar, quando dhyana[4] se manifestar, você cairá no caminho dos espíritos, cuja posição mais favorável é a de um fantasma faminto[5], a média é a de yaksas[6] voadores e fantasmas comandantes e a mais baixa de raksasas[7] terrestres.

Tais seres terão seguidores e se vangloriarão de ter atingido o Caminho Supremo. Depois do meu nirvana, na era do fim do Dharma, tais fantasmas serão encontrados pelo mundo e se orgulharão de comer carne, dizendo que mesmo assim são capazes de atingir a sabedoria Bodhi. Ananda, eu permito apenas aos monges que comam os cinco tipos de carne pura[8] que são o produto de meus poderes transcendentais de transformação e não da matança de animais.

Você, brâmane, vive num país onde vegetais não crescem muito bem, que é muito úmido e quente e o solo é formado por cascalho e rochas. Eu usarei meu poder espiritual de compaixão para te prover de carne ilusória de forma a satisfazer seu apetite. Como após o meu nirvana você poderia comer carne e ainda fingir que é meu discípulo? Você deveria saber que aqueles que comem carne, mesmo que suas mentes estejam abertas e eles percebam a forma do samadhi, eles não são nada além de grandes raksasas que, depois desta vida, mergulharão de volta no oceano amargo do samsara[9] e não podem ser meus discípulos. Eles matam e devoram uns aos outros incessantemente; como poderiam escapar dos três mundos [inferiores][10] da existência?

Além disso, você deve ensinar aos homens mundanos que praticam o samadhi que não se deve matar. Este é chamado de ensino profundo do Buda da segunda ação decisiva. Contudo, Ananda, se a matança não for parada, a prática do samadhi-dhyana se torna como alguém que cobre os ouvidos para não ouvir o próprio grito, ou como alguém que esconde algo que já foi completamente visto. Se todos os monges que vivem puramente e todos os Bodhisattvas evitam até mesmo caminhar sobre a grama; como poderiam eles concordar em arrancá-la? Como então poderiam aqueles que praticam a grande compaixão se alimentar de carne e sangue de seres vivos?

Se os monges não usam sequer ornamentos feitos de seda, botas de couro e pele e evitam até mesmo consumir leite e manteiga, digo que eles estão verdadeiramente libertos do mundano; depois de esgotar suas causas, eles não mais renascerão em nenhum dos três reinos [inferiores] da existência. Por quê? Porque quando se usa produtos animais, se cria causas [que serão seguidas por seus efeitos], assim como o homem que come cereais nascidos da terra e cujos pés não podem deixar o chão. Se um homem controla seu corpo e mente e se abstém de comer carne de animais e usar produtos animais, eu digo que ele está realmente liberto. “Este meu ensino é aquele dos Budas, enquanto outro que diga o contrário vem de demônios maléficos.”

(Surangama Sutra, cap. V – A Iluminação de Outros)
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1  Um dos discípulos do Buda.
2  Infernos, animais, fantasmas famintos, asuras e humanos. Símbolos da mente imersa, respectivamente, no sofrimento pleno, na ignorância, no desejo e no ódio. Tornar-se humano é a única chance de compreender o renascimento e abandonar sua cadeia cíclica.
3  Meditação ou a prática budista.
4  Contemplação. Os resultados efetivos da prática.
5  Espíritos esfomeados, cujo apetite nunca cessa. Uma metáfora para o desejo incontrolável e a vontade de satisfação desenfreada.
6  Tipo de demônio.
7  Tipo de demônio.
8  Os cinco tipos de alimentos espirituais: pensamento correto, deleite no Dharma, prazer na meditação, firme resolução ou votos de auto-controle, libertação do karma das ilusões.
9  O mundo. Símbolo do ciclo de renascimentos incessantes.
10  Inferno, animais e fantasmas.

Tradução: Prati Marcelo

2 comentários:

  1. ...sinto um grande aperto no coração por ter consumido carne por 47 anos!!!

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    1. Tudo que importa é o que podemos fazer no exato dia de hoje, Ricardo.

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