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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Budismo Esotérico (Mikkyo) - Parte 2

Se você não leu a primeira parte, clique AQUI.

por Marcelo Prati (Renji)

3. Surgimento do Mahayana e do Budismo Esotérico

Na virada do milênio o Budismo crescia filosoficamente, adicionando novos textos ao Cânone e o levando ao surgimento da doutrina do bodhisattva. Esse conceito afirmava que a busca pela via búdica passaria a ser não exclusivamente um processo pessoal, particular, mas um esforço em prol de todos os seres vivos, uma virada importante no pensamento budista. Era o Budismo Mahayana (jap. daijō) ou “Grande Veículo” que ensinava também que a iluminação era oferecida tanto para seguidores leigos quanto para a ordem sacerdotal, ou seja, o veículo capaz de abarcar todos os seres rumo à outra margem, ao fim do ciclo de renascimentos.


Stupa
Roda do Dharma (ou Roda da Lei)
O Budismo Mahayana primitivo também trazia certa importância ritual e devocional que também colaborou como base para o Budismo Esotérico. No período que compreendeu o século II AEC até o século II EC houve um reavivamento religioso na Índia quando costumes tribais e crenças populares se incorporaram ao Bramanismo resultando no Hinduísmo, claramente estimulado pelos elementos rituais já existentes no Budismo Mahayana e mesmo no Budismo antigo. Também era novidade a representação antropomórfica do Buda – possivelmente influência da cultura helênica – que até então era representado apenas na forma de símbolos como a Stupa (monumento funerário relicário) ou a Roda do Dharma. É sabido, contudo, que rituais budistas, mesmo apenas envolvendo a stupa como símbolo já eram realizados mesmo antes do Mahayana.

Os ritos começaram a se tornar mais detalhados, envolvendo, além da mente meditativa, o oferecimento de elementos simbólicos como flores, incenso, luz e água, também gestos como as mãos postas na altura do peito e a eventual repetição de versos mântricos chamados em sânscrito de dhāraṇī. Toda essa força criativa deu origem a uma quantidade gigantesca de literatura. Sutras como o Hannya Haramita Shin-gyō (conhecido como Sutra do Coração), o Kongō-kyō (Sutra do Diamante), o Hokke-kyō (Sutra do Lótus) e o Kegon-kyō (Sutra Guirlanda de Flores) são importantes exemplos. Todos eles contêm alguma forma de “encantamento secreto”, seja um dharani (mantra longo), vidyā (curto) ou mantras regulares, também trazendo recomendações de copiar, ouvir e recitar os sutras como ações meritórias que trariam boa sorte. Obviamente essa sugestão em particular significaria difundir, estudar e ensinar o que está exposto no texto. Começando por essa conclusão elementar percebemos que é infantil tomar como literal quando o texto diz que determinada prática seja capaz de, por exemplo, curar doenças.

Uma figura importante nesse desenvolvimento foi Nagarjuna, nascido de uma casta de brâmanes (sacerdotal) no sul da Índia entre a metade do século II e do século III. Destacou-se por ser um grande estudioso, fundador da escola Mādhyamika, e ter escrito comentários dos sutras construindo as bases sólidas do Mahayana e de todas as escolas budistas posteriores. Parte de seu pensamento consistia em ultrapassar a definição de vazio, entendendo a verdade definitiva como uma experiência que transcenderia a linguagem e a dualidade dos fenômenos e que se opunha à escola Yoga, que negava totalmente a realidade objetiva dos fenômenos, afirmando que eles não eram nada além do que transformações da consciência perceptiva. É claro que descrevo de uma forma pobre e simplificada uma discussão que é extremamente filosófica e acadêmica. Contudo, ao compreendermos o Budismo como um corpo de ideias, entendemos que elas podem ser experienciadas em vários níveis e de muitas maneiras diferentes - sendo isso também característica do Budismo Mahayana - desde que o fio que liga tais ideias não seja partido.

Adiante, por volta de 320 EC, o Rei Chandragupta I uniu o norte ao sul da Índia, a cultura brâmane voltou a ser dominante e era o início do chamado Período Hindu. Essa dinastia apoiava o Hinduísmo, mas não perseguia o Budismo, que tinha entre seus patronos membros da classe mercante e até da corte. O fortalecimento do Hinduísmo talvez tenha participado também no enriquecimento dos métodos e formas dos rituais budistas. Os textos desse período são extremamente semelhantes aos textos bramanistas no que diz respeito a regras para ritos, construção de altares, invocação de deidades e realização de desejos. Um deles é o já citado ritual do fogo (sct. homa; jap. goma) que é incorporado ao Budismo por volta do século III, claramente retirado de rituais bramanistas, sendo carregado de significância simbólica, estabelecendo-se como ritual esotérico de grande importância. Além disso, divindades hinduístas começam a aparecer nos textos budistas como aprendizes que deixam seus paraísos e mundos e descem à terra para ouvir os sermões do Buda e assim tornam-se defensores e protetores do Budismo. Tais deidades também passam a ser associadas a determinados estados mentais e corporificações de doutrinas, o que se torna a semente do desenvolvimento dos mandalas esotéricos.

Continua...

Referência bibliográfica:
YAMASAKI, Taikō. Shingon: Japanese esoteric Buddhism. Ed. Shambhala, 1988. Boston.

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