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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Budismo Esotérico (Mikkyo) - Parte 3

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por Marcelo Prati (Renji)

4. O Período Médio

Depois de usufruir dos benefícios do comércio até o fim do século V sobre a vasta área que ia do Mediterrâneo até a China ocidental, a dinastia Gupta, iniciada pelo Rei Chandragupta I, começa a ruir com a queda do Império Romano e o fim de seus tratados econômicos. Além disso, também foi enfraquecida por invasões estrangeiras como a dos Hunos pelo noroeste da Índia. As escolas de Budismo, outrora patrocinadas pela corte e pela classe mercante perderam seu apoio e com as dificuldades econômicas, medo generalizado e a pobreza que aumentava, a crença em práticas mágicas e orações sobrenaturais volta a crescer, tornando o Bramanismo e o Hinduísmo cada vez mais populares.


Contudo, tais acontecimentos abriram as portas para modificações no Budismo Esotérico, mudanças que culminaram no século VII com a utilização da palavra tantra. Significando “portal” em sânscrito, foi usada para definir textos que lidavam apenas com rituais, em contraste com os sutras que tratavam das questões de princípios e lógica religiosas. Mas dada sua ênfase nos tantras, o Budismo tardio (e às vezes o Budismo esotérico de uma forma generalizada) é chamado de Budismo Tântrico.

Sílaba mântrica "A" - um símbolo
sagrado do Budismo Esotérico.
Logo os rituais se padronizaram e também as formas iconográficas de numerosas divindades. Alguns ritos complexos envolviam posições do corpo e das mãos, o que sistematizou o desenvolvimento dos mudras (gestos associados com determinados estados mentais ou doutrinas), assim como os tipos de visualizações de deidades e sílabas mântricas. Foi quando determinadas sílabas sânscritas e objetos passaram a ser usados como símbolos de deidades e suas representações.

Ainda no século VII, o Rei Harsa, de uma dinastia Gupta tardia conseguiu unificar o norte da Índia sob seu comando. O Budismo voltou a crescer, destacando-se pelo complexo de estudos conhecido como Nalanda, que havia sido construído por um rei Gupta no início do século V. A grandiosidade do lugar que contava com cerca de 10 mil sacerdotes e estudiosos é descrita pelo grande sacerdote e tradutor chinês Hsüan-tsang (jap. Genjō; 602-664), que viajou para a India em 629 para obter sutras, ficando lá até 645. As práticas esotéricas em Nalanda são registradas pela presença de mestres como Dharmagupta (jap. Darumakikuta), que próximo do início do século VII ensinou a Subhakarasimha (jap. Zenmui), além de Vajrabodhi (jap. Kongōchi; 671-741) e o sacerdote Prajña (jap. Hannya; 734-810) que foi justamente quem ensinou a Kūkai em Ch’ang-an no início do século IX.

Uma lenda sobre Nagarjuna (citado na parte 2) surge provavelmente no meio também do século VII. Tal lenda conta que Kongōsatta, um bodhisattva mítico - ou seja, que nunca existiu - foi iniciado nos ensinamentos budistas mais profundos diretamente por Dainichi-nyorai, um Buda igualmente mítico, e ocultou tais ensinamentos numa torre de ferro no sul da Índia. Lá o bodhisattva permaneceu trancado por séculos até que Nagarjuna abriu a Torre de Ferro recebendo das mãos do próprio Kongōsatta os sutras Dainichi-kyō e Kongōchō-gyō. Obviamente, uma lenda carregada de simbolismo, não um relato literal já que esses sutras possivelmente foram compilados também no século VII e ainda não existiam durante o período de vida de Nagarjuna.
Nagabodhi

Outro ponto curioso do século VII é a existência de Nāgabodhi (jap. Ryūchi), que tradicionalmente é considerado discípulo direto de Nagarjuna. Ora, se isso fosse verdade, Nāgabodhi teria centenas de anos de idade. Claramente é a sugestão de que a transmissão dos ensinos não acontece através de ritos apenas pelos ritos, nem por influência de algum tipo de força mágica externa, mas sim pela compreensão correta do que eles significam, permitindo que seu conteúdo possa ser passado adiante em seu sentido integral e correto e não algum tipo de experiência sobrenatural ou mística fora da própria mente ou uma auréola miraculosa que de agora em diante vai pairar sobre sua cabeça. Isso quer dizer que qualquer um que tenha acesso ao ensino integral, completo e puder compreendê-lo em sua totalidade e profundidade seria sucessor do conhecimento de Nagarjuna. Já que mesmo ele, através do próprio esforço e compreensão verdadeira “abriu as portas da Torre de Ferro” que jaziam seladas. Ou você acha mesmo que ele encontrou uma torre mágica, debateu com um dragão, recebeu textos que ainda não existiam de um personagem que nunca existiu e passou seus poderes místicos a um discípulo quatrocentos anos depois?

Nāgabodhi ensinou para Vajrabodhi, que levou o Kongōchō-gyō para a China, de onde o Budismo esotérico alcançou o Japão. Depois do século VIII parece não haver mais desdobramentos sobre o sutra Dainichi-kyō, contudo o Kongōchō-gyō continuou a crescer dando origem a alguns subsutras.

Continua...

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